O mago Merlin. Os cavaleiros da Távola Redonda. Os elfos e fadas que povoam contos e a memória colectiva. A saga de Harry Potter e companhia. O Senhor dos Anéis. As Crónicas de Nárnia. Os feiticeiros e viandantes de Úrsula Le Guin. Os dragões de Eragon. É extensa a lista de personagens e cenários que enformam o conceito de literatura fantástica. Mesmo em Portugal, onde o fenómeno chegou com cerca de 20 anos de atraso face à tradição inglesa, livrarias, editoras, autores e público parecem ter-se definitivamente rendido à explosão de títulos. Quem sabe do assunto diz, todavia, ser este um longo caminho a percorrer. Ainda.

"O espaço é difícil de definir, porque o próprio termo 'literatura fantástica' abarca diferentes subgéneros, da fantasia à ficção científica, atraentes a diferentes públicos", explica ao DN Rogério Ribeiro, presidente da Associação Portuguesa do Fantástico nas Artes (Épica) e um dos principais impulsionadores do encontro de autores e da troca de ideias no País, através do Fórum Fantástico. Ainda assim, concede, a fantasia tem "beneficiado de uma clara expansão" nos últimos anos.

"Hoje parece mais fácil a publicação quase imediata de livros que estejam a ter muito sucesso comercial no estrangeiro, além de serem feitos esforços pontuais para acompanhar mercados não anglo-saxónicos do género." Ao mesmo tempo, contrapõe, há autores que "tentam fugir a sete pés do que acham poder marcá-los com um estigma e nota-se, talvez, um desconhecimento da área. Mesmo por parte de muitos os que a publicam em Portugal", desfere.

Um olhar pelas livrarias, as bancas de rua ou os catálogos das editoras revela a existência de dezenas de sagas, trilogias e afins, numa coexistência mais ou menos pacífica de heróis e vilões, valores e objectos mágicos, seres fantásticos e universos alternativos. O público procura, compra, lê. Os editores e os próprios autores contactados pelo DN avançam a teoria, consensual entre eles, de que a literatura fantástica tem os seus momentos mais altos em tempos de desencanto e confusão. A professora Maria do Rosário Monteiro confirma esta ideia no estudo A Afirmação do Impossível.

"Durante o século XX, a sociedade ocidental enfrentou várias crises que abalaram profundamente valores tidos como incontestáveis", adianta a docente de Estudos Portugueses na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (da Universidade Nova de Lisboa). "A física estilhaçou o universo newtoniano, a psicologia descobriu o infer- no no íntimo de cada ser humano, o indivíduo perdeu referências e solidariedades que contribuíam para uma certa estabilidade emocional." E aqui mesmo surge a obra de Tolkien, a desatolar um pouco o fantástico da marginalidade a que esteve votado desde o início.

Para Maria do Rosário Monteiro, O Senhor dos Anéis veio impor o seu imaginário de seres corajosos que lutam contra o mal e o vencem, no final, por se apoiarem na amizade, no amor, no respeito. "Num mundo caótico, à beira do holocausto global, Tolkien abriu verdadeiramente o caminho que muitos trilharam depois, descobrindo novas vozes, novos mundos, oferecendo formas eficazes de escapismo", diz. O género fantástico ganhava um fôlego maior.

 

( in DN )

publicado por sá morais às 23:38