Fala-nos de ti.
Não há muito que dizer… Sou apenas mais um “filho” da minha geração ainda a labutar pela vida e pelos seus sonhos. E estamos a falar de uma geração que, talvez como nenhuma outra, absorveu novidades, expectativas e hipóteses, acabando por ser esmagada pelos condicionalismos de um país serôdio, pervertido e repleto de vícios. A elevada exposição ao fascínio dos anos 80 e 90 levaram-me a um posterior desencanto. Condição patológica extremamente grave que nos pode até levar a escrever. Mas a rebeldia ficou e talvez a omnipresente imaginação seja isso mesmo – um derradeiro foco de resistência… Ou então uma fuga… O que eu sou talvez se divida entre o que é facilmente perceptível e o quase inatingível. Nos meus livros está muito daquilo mais difícil de alcançar…
Agora seria normal questionar-te sobre as tuas influências literárias. Todavia, elas surgem já no teu blogue e no teu site. Quero apenas um nome de alguém que gostarias de conhecer dentro desse círculo de influências!
Curiosamente ou talvez não, escolho um nome que não está ligado à escrita: Percy Fawcett. Porquê? Por ele não ser uma mero “cronista de sonhos”, antes a própria matéria de que os sonhos são feitos. Ele foi um dos derradeiros aventureiros, um homem que não aceitou o “vulgar”, o “politicamente correcto” e arriscou tudo naquilo em que acreditava, por muito disparatado que essas suas crenças pudessem parecer. Quer se concorde com a suas posições ou não, torna-se inegável que o Coronel Fawcett é um catalisador da imaginação. Mesmo sabendo que desapareceu na floresta amazónica, admiro-o e invejo-o – dois sentimentos que raramente reservo para seja quem for… Para mim, Fawcett é uma daquelas figuras imortais, totalmente meritórias de um crepúsculo dos deuses…
O que mudou desde os teus dois primeiros livros?
Espero ter mudado para melhor. Essa mudança estará a escrutínio. Acredito que, para estarmos no caminho certo, devemos estar num processo de constante aperfeiçoamento – sendo que os erros também fazem parte do processo. Mas acredito que o que escreveremos amanhã deverá ser melhor do que aquilo que escrevemos hoje e ontem.
O teu “peso” na internet é considerável. Mero acaso ou estratégia bem delineada?
Vamos a ver… Eu já tinha blogues antes de ter editado os Goor. Não acho que tenha essa influência… Nunca tive nem procurei ter. Obviamente, tenho clara consciência da importância da internet como meio de divulgação e não desaproveito essa oportunidade. No entanto, a minha “estratégia” são os meus livros e não uma “imagem”.
Ao contrário da maioria dos escritores, não te inibes de expressar opiniões sobre política, por exemplo. Parece-te sensato?
Em primeiro lugar, acho que essa ideia é errada. Conheço pessoas ligadas à escrita que são bastante interventivas. É uma escolha pessoal, mas não podemos generalizar. Temos de abandonar o cliché de que os escritores vivem numa torre de marfim, ignorando o mundo real que os rodeia. Essa é uma noção demasiado romântica, algo que só teria cabimento numa conjuntura desfasada, totalmente irreal. Insensato seria eu esconder as minhas opiniões pessoais. Tenho-as, felizmente! Fazê-lo propositadamente para manter uma neutralidade que agradasse a todos seria algo bastante hipócrita. Não sou a Suiça… Tenho as minhas ideias e posso discuti-las, defende-las ou até alterá-las, caso perceba que estava errado – o que é difícil dada a minha teimosia. Porém, nunca as esconderei por mero interesse.
Como vês as discussões sobre o Fantástico?
Como vejo?… Como uma manifestação, mais ou menos exacerbada, de ideias e valores diferentes. Pessoalmente prefiro o debate por o achar mais proveitoso e estimulante. Mas nem para isso tenho tempo…
Fala-nos do teu próximo livro
O Regresso dos Deuses – Rebelião recupera o universo dos “Goor” mas a acção decorre muitos anos depois. Há algumas diferenças… Desta vez abdico da estrutura de Demanda, por exemplo. Mas recorro à minha personagem fetiche dos livros anteriores – esta é a sua “Crónica”. A indomável Calédra embarca numa nova “missão”, a mais importante por ser também uma autodescoberta da sua singularidade e dos eventos que a geraram, encimando uma galeria de personagens que, ao invés de serem seleccionadas pelas suas virtudes ou defeitos, são-no pela conjuntura, pela sua condição e, essencialmente, por um instinto universal: a sobrevivência. Em Regresso dos Deuses revela-se muito daquilo que permanecera encoberto nos Goor. Os “deuses” estão de regresso e a sua natureza e intenções são finalmente reveladas, algo que nem sempre é explorado nestas entidades cujo poder e existência costumam justificar-se per si. Estes “deuses” podem não ser bem aquilo de que muitos estariam à espera… Julgo ser uma boa história…
Afinal, existe sorcery ou apenas a sword?
A tal magia nunca existiu nos meus livros, apesar de, a espaços, poder parecer que estava presente. Essas dúvidas, caso as houvesse, serão postas de lado com o avançar da história. Este livro também não alimenta qualquer “solução mágica”, remete antes para explicações do extraordinário que, mediante a “sensibilidade” de cada um, poderão até parecer plausíveis… A “espada” tem sido realmente um ponto forte nas minhas histórias, mas até essa classificação desaparecerá no livro que actualmente estou a escrever. Mas não desaparecerá o elemento bélico, claro. Atenção que não se trata aqui de menosprezar a tal “sword & sorcery”! Trata-se de uma opção como qualquer outra e que emana das minhas “teorizações” pessoais.
Não será demasiado ambiciosa a ideia de juntar o épico e uma espécie de “panspermia consciente”, tendo em conta que a maioria dos leitores prefere os enredos menos complexos?
Será que preferem? Veremos…
E projectos para o futuro?
Apesar dos condicionalismos, estou a escrever uma história que será ainda mais distante do modelo dos Goor. Será mais “forte” e até “herético”… Será o espelho límpido do meu fascínio por determinadas lendas da Antiguidade e por interpretações mais ou menos “fantásticas” das mesmas. Não será apenas contar uma história, será também (espero) uma imaginativa formulação de hipóteses.
Uma última questão: o que realmente pensaste da polémica com a tua primeira proposta de capa?
Uma pergunta estranha vinda de quem vem… Não foi fácil, claro. Falava-se da capa quando quero que se fale é do livro. Mas quem falou não estava a mentir e acredito que o estavam a fazer por me quererem realmente ajudar. Ainda vejo as coisas com clareza. Não estou na fase “banzai” ou “harakiri” e espero nunca estar…